GRUPO DE ESTUDOS POLÍTICOS Práxis Revolucionária

Feito para estimular o Pensamento Crítico.

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sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Sintomas Mórbidos de Sabrina Fernandes - O Estudo em Conjunto | Resenha Crítica





Sintomas Mórbidos - A Encruzilhada da Esquerda Brasileira

Sabrina Fernandes
387 páginas
Autonomia Literária - 2019


Sintomas Mórbidos é o primeiro livro da doutora e youtuber Sabrina Fernandes. Normalmente, um livro teórico de ciência política não é uma obra que alcance facilmente a categoria de livro hypado (para usar a gíria da geração Z). No entanto, pelo fato de Sabrina ser uma personalidade em ascensão no YouTube, grande é o interesse dos jovens pelo livro da autora. Um feito que deve ser aplaudido.

De todo modo, como muitos já sabem, o livro é uma adaptação da tese de doutorado da Sabrina, cujo nome é Crisis of Praxis: Depoliticization and Leftist Fragmentation in Brazil. Uma análise aprofundada da crise de práxis da esquerda brasileira.

Em relação ao conteúdo do livro, é inegável a importância dos assuntos abordados. São temas extremamente importantes para todos aqueles que se consideram militantes de esquerda e os que não se consideram também. O texto apresenta uma análise de questões relacionadas com a teoria de Gramsci, a fragmentação da esquerda brasileira e sua crise de práxis, faz uma análise pormenorizada das esquerdas moderada e radical, do transformismo da esquerda moderada, da crise de representação política que o país enfrenta nos últimos anos, fala sobre despolitização, pós-política e ultrapolítica, do estado de melancolia das esquerdas nacionais, das falsas polarizações, da desdemocratização e anticomunismo, de instigadores políticos entre inúmeros outros assuntos de igual relevância. 

Ela também apresenta, por exemplo, um panorama geral dos partidos que compõem a esquerda brasileira (PT, PSOL, PCB, PCdoB, PSTU, PCO, PCR, UP) e dos movimentos e organizações sociais (MST, MTST, CUT, Brigadas Populares, Terra Livre, Ligas Campesinas e muitos outros)

É, sem sombra de dúvidas, um documento muito importante para tentarmos entender a conjuntura caótica que enfrentamos desde do fatídico Junho de 2013. Uma análise que nos ajuda a alargar nosso horizonte enquanto seres políticos capazes de interferir nessa realidade.

Estudando esse livro em conjunto, ricas foram as contribuições do grupo para o entendimento geral da obra. Juntar um monte de pessoas com visões de mundo totalmente distintas é realmente uma experiência enriquecedora e, por isso, reproduzimos aqui algumas das reflexões compartilhadas pelo grupo:

"Entendo que Gramsci pensa em dois aspectos que garantem a dominação e a direção de uma classe via Estado (apontando que para ele o Estado é integral e, portanto, composto por sociedade civil e sociedade politica). Uma classe pode ser dominante porque controla os aparelhos do estado sentido estrito – isto é, os "organismos governamentais incumbidos da administração, da organização dos grupos em confronto, bem como do exercício da coerção sobre aqueles que não consentem, sendo por ele também denominado de “Estado político” ou “estado-governo”. 
E uma classe ou fração de classe pode ser dirigente, ou seja, consegue dirigir as outras classes a partir da conquista do consentimento ativo destas, utilizando os aparelhos privados de hegemonia, que se localizam na sociedade civil: "a noção de sociedade civil implica o conjunto dos organismos chamados “privados” ou “aparelhos privados de hegemonia” (APHs), implicando a adesão voluntária de seus integrantes. Dentre esses aparelhos, Gramsci destaca igrejas, associações privadas, sindicatos, escolas, partidos e imprensa, encarregados de organizar as vontades coletivas, quer dos grupos dominantes, quer dos subalternos."


Quando pensa-se em crise orgânica, crise de representação ou crise de hegemonia sob uma acepção gramsciana, a referência justamente é a um período em que a classe dominante não consegue garantir sua hegemonia, tanto porque existe uma crise entre as frações de classes que compõem a classe dominante (como vemos claramente no governo Bolsonaro), quanto porque não conseguem garantir a paz social através da dominação, ficando explicita a divisão da sociedade em classes, raça, gênero.
Isso significa que, sob o que entendo da perspectiva gramsciana, o Estado integral é a relação social onde se constroem as formas de direção e de dominação, em uma relação mútua entre a dimensão civil e a dimensão política através de mecanismos de hegemonia e mecanismos de coerção.
A crise de hegemonia é, portanto, quando esse mecanismo dá ruim."


"Gramsci rompe por completo com análises economicistas (aquelas que diziam que o Estado [e chamavam Estado de Superestrutura] era um mero reflexo da economia). Porém, isso não significa que a economia (a estrutura) não esteja relacionada com a política (o Estado, a Superestrutura) mesmo que a relação não seja de um mero reflexo. O que rola é que os períodos de crise econômica tendem a fraturar aquela aparente unidade nacional que o estado constrói.
Pensando em termos da concretude da história latino-americana, essa aparente unidade quase sempre esta fraturada, e muito provavelmente por isso são muito poucos os períodos de democracia burguesa e muito mais constantes os chamados momentos de Estado de exceção.
Sob meu ponto de vista, isso se explica pela dependência estrutural das nossas economias, que estão sempre transferindo valor para as economias centrais (aqui já estou me referindo à teoria marxista da dependência)"


"O problema é que com a despolitização e o antipetismo, no imaginário das pessoas, ficou internalizado que corrupção é um fenômeno da esquerda. Essas várias manobras corruptas que o atual governo comete, talvez se apresente apenas como uma falha no governo, um mal governo, mas não corrupto. Pois "corrupção é coisa da esquerda". Como desconstituir isso no imaginário do povo, é um trabalho bem difícil de ser feito, acredito que o primeiro passo seria combater o moralismo, pois como a autora coloca o moralismo apaga as questões sistêmicas vinculadas ao antagonismo. Mas de que forma específica se poderia fazer isso? Talvez se fazer mais propaganda nas redes, cursos com o tema corrupção, não sei. Mas mesmo assim, ainda não chegaria à base, talvez apenas uma parcela. Sei que não estamos mais no século XX como Lênin, e nossa panfletagem seria a internet, mas talvez fazer panfletagem nas preferias com pequenos manuais sobre o que de fato seria a corrupção, além dos cursos e vídeoaulas nas redes. A informação é a principal arma que temos, e usá-la nas redes pra produzir conhecimento e politização é o que nos resta. Não sei se seria o bastante, mas acho que o caminho seria por aí."


"Acredito que a única saída é politizar. A partir daí que mora a questão né, como politizar nesse mar pós e ultrapolítico?
Não tenho experiência dentro de partidos, mas através da leitura de sintomas mórbidos tenho percebido como a crise de práxis tem distanciado a esquerda do povo e penso que esse é um dos maiores problemas. É aquilo do trabalho de base né. Gostaria de ver mais a esquerda na rua (após a pandemia, claro), nos espaços mais populares, usando uma linguagem acessível numa troca de ideias num esquema de formiguinha também, sabe? Dando aulas públicas, organizando eventos, aparecendo mais para a base. E isso frequentemente mesmo, não só em tempos eleitorais. Parece pouca coisa uma conversa no ônibus, mas vai levando a palavra (aqui bem inspirada no trabalho de base das igrejas né). Tendo isso como horizonte tático do partido, em grande escala, acredito que faz diferença sim. E aqui acho que cabe a ideia de não desmerecer a utopia também.
Enfim, sempre acabo caindo na tecla da educação e, como a gente vê um claro ataque a ela institucionalmente, temos que levá-la pro cotidiano (além de lutar para impedir esse desmonte estrutural também, óbvio), desmistificando o que a mídia hegemônica prega sobre a esquerda e sobre a corrupção."


"Para entender esses fenômenos, seria necessário falar do termo “apolítica”, que é a antipatia, desinteresse, passividade diante da política, ou a falta de vontade de entender e acompanhar os processos políticos no país. Isso não é surpresa, já que uma pessoa que trabalha 8h por dia, e ainda passa várias horas em transporte público, ou estudando, ou cuidando dos filhos, não tem tempo nem energia para se interessar por esse assunto.
A partir daí fica fácil despolitizar, já que uma pessoa que não se interessa por política é facilmente manipulada e enganada. Pra quem possui o projeto de perpetuação das desigualdades, é muito interessante ter um povo despolitizado que não se interessa por política.
Já a pós-política se trata do movimento de deslegitimar a política em si, tentando diminuir sua importância e culpar a política por todos os problemas existentes no país. Daí surge aquele discurso de algumas pessoas: “eu não sou político, sou um gestor. Sou um empresário de sucesso que sabe como administrar”. 
Essas falas negam a política em si, como se ela fosse o único problema, e a solução fosse acabar com ela. O problema disso é que gestores que administram empresas visam o lucro, e a administração pública é muito diferente disso.
Já a ultrapolítica, tenta pegar uma situação pequena ou isolada e aumentá-la, assim como inverter os valores que ela possui. O objetivo é manipular a opinião pública em prol de interesses particulares. Um exemplo disso é filmar professores em sala de aula e usar o que eles dizem como “doutrinação ideológica”, e assim ter uma desculpa para privatizar todo o sistema de educação."


"Eu tenho percebido que a dificuldade da esquerda radical é entrar num consenso de estratégia e tática. Cada partido da esquerda radical enxerga o cenário de uma forma. A sensação que eu tenho é de que alguns inclusive ignoram o materialismo histórico dialético, como o PCO e às vezes o PSTU, com ações descoladas da realidade do brasileiro."


"Mas uma luta pela humanidade negada aos grupos historicamente oprimidos não pode sobrepujar a outra luta que é a base estrutural de uma sociedade, a luta dos trabalhadores - do qual toda grande maioria é parte. Portanto, a luta deve ser interseccional, pois se de um lado uma luta por pautas econômicas sobrepujar o sujeito oprimido pelos preconceitos históricos, faremos uma transição incompleta com toda a mega estrutura da opressão aos grupos oprimidos sendo um bloqueio pra emancipação e superação do capitalismo. Porém, se apenas a luta antiopressão focar apenas na identidade, caímos numa cooptação liberal e puramente identitarista, ou seja, incompleta do mesmo modo. A luta é transversal, é plural, é interseccional."


"Despolitização é aplicação do senso comum da forma mais simplificada, é quando o representante fala na propaganda de tv que vai lutar por mais saúde, educação e segurança mas não explica como, é quando esses mesmos representantes fazem o possível e o impossível para que as pessoas continuem não gostando de política porque é coisa de ladrão, político é tudo igual, ou incute no imaginário das pessoas palavras de ordem repetidas e esvaziadas de sentido.
Pós política é uma das falácias mais tristes, é o nem pra esquerda nem pra direita, o Brasil tem que caminhar pra frente. 
Ultrapolítica é o que o Bolsonaro fez ao falar dos protestos: Jair Bolsonaro avaliou, nesta segunda-feira, 8, que as manifestações contrárias ao governo são "o grande problema do momento" para ele. "Estão começando a colocar as mangas de fora", disse o presidente a apoiadores, no Palácio da Alvorada, no início da manhã."


"Eita que assunto espinhoso... Enfim... Bem, historicamente a Igreja sempre esteve envolvida com política, participando ativamente do Estado ou apoiando declaradamente o Estado. A história do Clero mostra isso. E os Estados apoiados pela Igreja sempre eram Estado truculentos e violentos que precisavam da igreja, e da doutrinação religiosa, para ajudar a conter a revolta popular, como uma forma das pessoas se conformarem com a sina, o destino cruel deles e com a legitimidade do Estado posto. As Igrejas evangélicas, hoje as pentecostais, são uma espécie de retorno escancarado dessa característica. [...] A igreja/religião quando usada pra esse fim é uma ferramenta muito potente de manipulação. Ela atua nos instintos mais básicos das pessoas, no medo da morte, na esperança, na necessidade de fazer parte de um grupo, na busca do sentido da vida, nos anseios, enfim... E sabendo disso, maus elementos manipulam essas pessoas para serem usadas como armas políticas."


"Aqui eu volto a dizer que penso em uma esquerda que não pode abrir mão de dizer que é esquerda, falar sobre socialismo, sobre as bases do discurso de esquerda (a radical pelo menos deve fazê-lo). Expor porque no mundo há oprimidos, porque o capitalismo é uma bosta, expor quais são as alternativas ao sistema, expor utopias, sempre trabalhando a práxis e observando isso pra não correr o risco do discurso se afastar da prática, para teoria ser só mais um amontoado de palavras antigas, para que as pessoas sintam que é possível, mesmo que em pequenas proporções. Acho que a esquerda radical é responsável, hoje, por pelo menos tentar com muita força manter a esperança de que um mundo justo e mais bonito é possível e fazendo de pouco em pouco o tal do trabalho de formiguinha. Estou tentando colocar mais otimismo nas minhas ações sempre que possível (porque a gente sabe que nem sempre é possível).

Concordo, pra mim o primeiro passo é parar de negar ser de esquerda, a direita não tem receio de expor seus ideias, acho que isso tem acontecido muito, a pessoa expõe uma opinião sobre direitos humanos por exemplo... Se é chamado de comunista, ela já volta atrás, já tenta desconversar, ué... Se ser comunista é querer justiça social, direitos humanos, bem estar social, então que sejamos comunistas e assumamos isso, pra desconstruir o mito do comunista malvado comedor de criancinhas é preciso chamar essas ações, práticas, para a esquerda, pois se ficar em cima do muro, isso é cooptado de alguma forma com certeza."


"Eu não vejo no Brasil uma Esquerda radical de massas. É preciso buscar os porquês, as causas para isso... Mas tem uma coisa que percebo que acredito ter alguma influência nisso, justamente o que falei acima. A esquerda radical não se conecta ao "senso comum". A direita faz isso muito bem, sendo que trabalha de uma forma desonesta, despolitizando, mas sabe a língua do povo. O PT também faz isso melhor. Já a esquerda radical fica com seu discurso atrelado aos intelectuais, à nata do conhecimento, da filosofia, da ideologia. Falta conexão. É preciso construir pontes. Criar diálogos. Abrir mão desse status do inteligente inatingível. Vejo alguns nichos já acontecendo, mas é preciso ampliar isso, para ontem."


"É muito louco a visão Petista de que as manifestações sobre um governo democrático de esquerda (moderada ou não) são contra essa governo especificamente E que isso desestabiliza a governabilidade. É uma narrativa que pode ser emplacada se a governabilidade é feita através de conciliação. No Chile, mesmo sobre governos de 'esquerda' aconteceram muitas manifestações bastante parecidas na maneira de ser. Em territórios Mapuches, os protestos são comuns e muitas vezes não ganham a grande mídia. A diferença é justamente o apoio da esquerda tradicional partidária e o fortalecimento de lutas como o feminismo (muito presente nos protestos) e antineoliberalismo.
Imagina o cenário distinto, o PT governando não apenas PARA o povo, mas COM o povo. As manifestações com o MST na rua, as greves da CUT e todas as mobilizações de classe que temos na esquerda seriam estimuladas justamente para mostrar que a nossa força política não está apenas no congresso (em quantos nomes conseguimos eleger), mas também em um povo mobilizado."


"Só lembrando que o algoritmo, pode ser "independente", mas acima de tudo, ele é programado. E este na mão de grandes corporações vai ter lado. Só agora com muita pressão isso está mudando. É um assunto bem complexo, por exemplo Inteligência artificial, somos nós que treinamos a "máquina""


"Pra mim o controle está nisso mesmo, de ser constante, de a todo momento fomentar o consumo, o entretenimento, a "aproximação" entre pessoas pelas redes sociais, é controlar sem parecer que está controlando, você não percebe que está sendo manipulado, por que acha que tem escolhas, que é você quem está escolhendo. Os programadores podem não ter criado os diversos softwares como esse intuito, mas tudo pode ser moldado para se estabelecer na lógica do capital e do consumo. As ideologias dominantes são aquelas que têm sucesso em parecessem não ideológicas."


"Não sei se entendo a despolitização em si como um projeto, acho que é uma consequência de outras ferramentas e que funciona muito bem, porque enquanto a direita e a classe dominante estão condensando os projetos de fato e usufruindo de privilégios, a esquerda e sua classe correspondente de mobilização (oprimidos) estão embolados no meio de campo lidando com a despolitização. Então, concordo neste ponto com a afirmação, a despolitização é um trabalho de campo que deve ser desfeito e não tem sido fácil, porque são tantos atores despolitizando, a igreja (muitas vezes), o Estado, a ultrapolítica dos adversários extremamente desonestos, estou fazendo o curso de comunicação digital da Perseu Abramo (indico) e ações como essas são essenciais, a vanguarda da esquerda deve se equipar com esses recursos urgentemente e revidar com força cada vez ocupando mais espaços antes não tão valorizados porque é ali que reside a lacuna que foi preenchida pela cooptação.
Posso ser ousada agora e talvez apanhar.... nem ligo (risos) mas penso que a cooptação aconteceu por muitos motivos, a desmobilização dos governos petistas, burocratização de movimentos e engessamento de lideranças, mas foi só isso? A esquerda radical não poderia ter feito mais? Por que eu só conheci a esquerda radical agora? Por quê?"

Como visto, foram muitas e de altíssima qualidade as discussões ocorridas dentro do grupo de estudos. Os participantes realmente se empenharam em estudar, compreender e debater os temas encontrados no livro, o que, sem nenhuma dúvida, aumenta a própria compreensão da obra estudada. 

Para quem não está acostumado com essa modalidade de estudo, é preciso ressaltar que essa é - sem dúvida - uma atividade com um potencial incrível de alargar o horizonte teórico. É uma troca de ideias sem precedentes. São opiniões que se complementam, informações que preenchem lacunas, reflexões que apuram a percepção e alteram pontos de vista, melhorando-os. Todos têm algo a contribuir e para acrescentar à unidade ao grupo. 

E, depois de terminada a leitura dos Sintomas Mórbidos, considerando a extrema importância dos assuntos abordados no livro, restou evidente que o estudo compartilhado foi a melhor opção para absorver seu conteúdo de forma muito mais eficiente. 

Porém, contudo, entretanto, todavia... Precisamos fazer um adendo importante por aqui... 

Primeiro teremos que voltar no tempo... Se lembrarmos da época em que gramática era um pesadelo a ser estudado, nos lembraremos de duas coisas chatas que os professores nos obrigavam a estudar: coesão e coerência textual. A primeira tem relação com a conexão entre os elementos de um parágrafo, enquanto a segunda com a conexão entre os elementos do texto como um todo. Dito de outro modo, a coesão textual é o uso correto das conjunções, preposições, advérbios e pronomes que constituem um período (parágrafo formado por uma ou mais orações), enquanto que a coerência textual refere-se à lógica da escrita, à construção sequencial lógica e organizada das informações de um texto. 

Mas olha só que loucura... Qual a relação disso com o livro? Parece que nenhuma, mas tem tudo a ver com ele.

Como já mencionamos anteriormente, o livro possui um conteúdo extremamente relevante para a militância de esquerda, são assuntos que precisamos ter bem fixados na cabeça e, em relação a isso, a autora fez um trabalho primoroso. Dá para notar que ela entende muito do assunto, fez uma pesquisa densa e que seu conteúdo conversa diretamente com assuntos que nós, esquerda brasileira, precisamos urgentemente saber.

No entanto, como nem tudo são flores no "Maravilhoso Mundo de Bob", os mesmos elogios não podemos tecer em relação à coerência textual, elemento de suma importância para qualquer texto produzido no mundo, desde do livro denso de teoria até uma receita de camarão pistola ao molho de amendoim. Sem coerência textual, o conteúdo que era para ser absorvido sem problema algum, vira uma mensagem cifrada que cansa até o mais feroz dos fãs da autora.

Na análise de um texto, seja o formato que for: livro acadêmico, artigo científico, romance, livros de ficção ou de não ficção - não importa de que tipo - o texto precisa, obrigatoriamente, de coerência textual. Isso significa dizer que se o primeiro parágrafo fala de abacate, o segundo também fala de abacate, o terceiro fala de postes de iluminação, o quarto fala de capivara e o quinto retoma o tão falado abacate, nós temos um problema de coerência textual, problema esse que, infelizmente, pode comprometer toda e qualquer a experiência de leitura. Foi mais ou menos o que aconteceu com o Sintomas Mórbidos.

Apesar do texto possuir coesão textual em relação ao uso correto da língua e de seus conectivos e, inclusive, apresentar uma linguagem bastante simples e bem escrita, a coerência textual não teve o mesmo tratamento. Além disso, como a experiência de leitura foi em conjunto, foi possível observar que muitas pessoas notaram o mesmo problema, o que, definitivamente, representa um enorme ponto negativo do livro que, provavelmente, poderia ter sido resolvido - no mínimo - com uma revisão competente por parte da editora.

Contudo, não bastasse o problema da coerência textual, um fato "extra-livro" acabou prejudicando ainda mais a experiência de leitura. Pode parecer uma bobagem, mas não é. Como a autora também é youtuber, vasto é o conteúdo que ela posta na internet e, num desses vídeos, ela afirmou categoricamente que seu livro - que repete conceitos básicos de forma repetitiva - não era para iniciantes, pois foi escrito numa "linguagem acadêmica" para acadêmicos. E aí que está o problema: muitos acadêmicos acostumados com linguagem acadêmica participaram da leitura e não viram nada de tão avançado no texto que justificasse essa explicação. E, ao tomar ciência dessa desculpa, o que deveria apaziguar o desconforto geral com o texto, somente o aumentou. Muitos não conseguiram comprar a ideia de que o texto era cansativo porque a capacidade de leitura dos leitores é que era insuficiente para entender os conceitos simples veiculados de forma repetitiva no livro. E isso porque, pela lógica propagada pela desculpa, não é o texto que apresenta problemas (como vários integrantes do grupo identificaram), são os leitores - mesmo os acadêmicos - que são completamente incapazes de entender o texto acadêmico da obra. 

Infelizmente, está muito difícil comprar essa desculpa. É o mesmo que aceitar que várias pessoas - inclusive acadêmicas - com anos e até décadas de experiência com textos acadêmicos (sempre bom repetir o acadêmico), é que possuem problemas em seus intelectos, pois o texto - que lhes testa a paciência - foi elaborado numa linguagem ininteligível para eles, os pequenos boçais.

De qualquer maneira, registradas as devidas críticas, o livro é sim um importante documento para a esquerda brasileira, para ajudar a entender toda essa complicada conjuntura que nos envolve há mais de meia década. Uma obra que trabalha vários conceitos de extrema importância para qualquer pessoa que queira entender - minimamente - a dinâmica da esquerda nacional de forma mais aprofundada. Esta foi a opinião unânime das pessoas que conseguiram chegar ao final do livro: uma obra que agregou informações essenciais à militância e à formação política brasileira.

Assim, apesar dos pesares e dos corpos estendidos no chão, é possível afirmar que a pesquisa realizada pela autora foi muito bem feita e que o assunto abordado possui relação direta com a conjuntura política que enfrentamos em desde Junho de 2013. Em suma, uma obra bastante interessante para qualquer pessoa que se interesse pela esquerda brasileira e pelas questões político-teóricas que a envolvem. 

Recomendamos fortemente! 


Grupo de Discussão Práxis Revolucionária



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